Ranking de renda do Carioca de 1925 mostra 'surra' do Vasco nos rivais
Sexta-feira, 25/04/2025 - 09:42
Leandro Fontes @LeandroFontes50
Novo artigo para o @ludopedio: "100 anos da unificação da AMEA e o papel do Vasco na garantia de seus direitos". Episódio que também representou o ponto de partida para a construção do estádio de São Januário.
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Fonte: X Leandro Fontes


100 anos da unificação da AMEA e o papel do Vasco na garantia de seus direitos

Leandro Tavares Fontes 22 de abril de 2025

A Associação Metropolitana de Esportes Atléticos – AMEA, fundada em 1924 por Fluminense, Flamengo, Botafogo e América, se caracterizou como uma reação conservadora, isto é: racista e elitista, a conquista avassaladora do campeonato carioca de futebol de 1923 por parte dos Camisas Negras do Vasco da Gama. Não à toa a resposta oficial assinada por Arnaldo Guinle (presidente da AMEA e patrono do Fluminense) à Resposta Histórica de José Augusto Prestes não escondia a natureza de seu conteúdo:

OFFICIO QUE A A.M.E.A. RESPONDE AO PEDIDO DE CANCELAMENTO DE FILIAÇÃO DO VASCO

A comissão organizadora A.M.E.A. enviou ao Club de Regatas Vasco da Gama, em resposta ao desse club, o seguinte offiio:

Rio de janeiro, 17 de abril de 1924 – Exmo. Sr José Augusto Prestes (…) alimentamos a esperança de que, para o futuro, elle fizesse todos os esforços para construir equipes genuinamente portuguesas, porquanto ao nosso ver não havia em nosso meio outra colônia capaz de apresentar melhores elementos que a portuguesa para uma demonstração esportiva das verdadeiras qualidades desta nobre raça secular (…)" (jornal O Paiz, 19 de abril de 1924).




De tal modo, qual foi a razão e as condições estabelecidas que fizeram o Vasco ingressar na AMEA em 1925? Essa indagação precisa ser contrastada com os pontos que fizeram o Vasco optar por não se filiar a AMEA em 1924. Isto é, foi imposto ao Vasco que disputasse uma espécie de repescagem, chamada de "disputa olímpica", entre três clubes para obter a vaga na primeira divisão da AMEA. O Vasco, campeão da cidade, obviamente não aceitou tal medida. Além disso, o Vasco estaria impedido de jogar aos domingos, uma imposição que prejudicava a assistência vascaína que trabalhava no comercio e, portanto, o público e renda nos jogos do clube. Logo em seguida, veio o golpe no ato da publicação da situação de cada futebolista inscritos pelos clubes aspirantes e filiados da AMEA. Após análise das inscrições, a direção organizadora da AMEA de modo sumário resolveu excluir doze jogadores do Vasco, sendo sete do primeiro quadro e cinco do segundo quadro. Entre eles estavam Leitão, Ceci, Bolão, Negrito e Russinho. Contraditoriamente, o brilhante goleiro Nelson da Conceição ("Chauffeur") não foi cortado pela "inquisição ameita" pelo fato, mesmo sendo negro, deste constar no plantel de convocados do selecionado carioca e brasileiro.



Com o golpe anti-Vasco aplicado pela direção da AMEA, o campeão carioca de 1923 não disputou o campeonato seguinte que reunia os clubes de maior tradição na cidade. O Vasco optou por disputar o campeonato paralelo sob a velha bandeira da Liga Metropolitana de Desportos Terrestres – LMDT, junto com equipes de menor prestígio, sobretudo do subúrbio. De tal maneira, assim como em 1922 e 1923, os Camisas Negras seriam novamente campeões, sendo que dessa vez de modo invicto. Para completar a trinca, nesse mesmo ano, o Vasco conquistou seu oitavo campeonato de remo (consagrando-se como o maior vencedor de terra e mar) e ainda o clube concorrendo pela LMDT, desbancou o campeonato da AMEA no critério de público e renda como registra em detalhes a tese "Revolução Vascaína: a profissionalização do futebol e a inserção sócio-econômica de negros e portugueses na cidade do Rio de Janeiro (1915-1934)" de João Manuel Casquinha Malaia Santos.

O Vasco, portanto, foi o clube que fez a queda de braço com o bloco unido de Flamengo, Fluminense, Botafogo e América. Essa força fez com que lideres da AMEA, convencidos por Carlito Rocha do Botafogo, voltassem a fazer um novo convite ao Vasco para ingressar na "nova" Liga. A proposta apresentada dava ao Vasco da Gama status de clube fundador e, supostamente, ainda teria a garantia de que todos os jogadores campeões de 1922, 1923 e 1924 seriam aceitos no campeonato unificado de 1925.

A possibilidade aberta para o Vasco, sob novas bases do regime da AMEA, não era um negócio ruim para o clube. Afinal, na LMDT de 1924, o poderoso Vasco da Gama, seguiu enchendo os estádios. Portanto, levou muito dinheiro aos cofres dos clubes pequenos do subúrbio. Em contrapartida, tal movimento não se reverteu proporcionalmente ao cofre vascaíno. Assim sendo, a hipótese de voltar a rivalizar com os grandes clubes da elite acabou sendo vista com bons olhos. Entretanto, a coisa não foi tão simples assim conforme a prova estava estampada na revista "Theatro & Sport" do dia 18 de abril de 1925.

O Vasco deixa de novo a AMEA?

Estourou quinta-feira como uma bomba, nas rodas sportivas, a nota sensacional de que o Vasco deixará novamente a Amea, no caso da directoria desta persistir no propósito de excluir varios dos melhores "players" vascaínos.

Corroborando essa versão, é sabido que a directoria do Vasco, em gesto altivo e nobilitante, devolveu o officio que em a Amea scientificava a exclusão de diversos elementos do primeiro quadro.

A directoria do Vasco viu, nesse procedimento da associação a que em má hora si filiou, não só um ludibrio ao pacto verbal estabelecido entre as duas partes, como tambem uma consequencia do terceiro ha dias realizado, em que o team do Fluminense foi derrotado pelo quadro vascaino.
Ficou ainda resolvido, que o Vasco não disputaria o campeonato da Amea, caso não visse resolvida a pendencia a seu favor.

Como quasi certo que a associação dos "grandes" não transija dos seus propositorios, o caso do sport carioca vae complicar-se ainda mais. E assim deve ser porque o Vasco, desligado como está da Metro, não se poderá valer do recurso do anno passado. É com isso que contam vencer os ameitas.
A esse proposito, corria hontem com insistencia o boato de que o Vasco estava procurando um entendimento com os clubs acima e mais alguns outros, com o fim de constituirem uma nova organização sportiva, que tem por fim quasi exclusivo guerrear de morte a aristocratica associação dos grandes.

Tal coisa não nos surprehende, porquanto era sabido que o principal fito da Amea, procurando o desligamento em massa dos clubs da Metro, era deixal-os ao abandono, como succede com o Andarahy e Carioca, que só serão aceitos se constituirem seus teams com gente não operaria, e o Mackenzie, que não é aceito por não ter campo nem séde.

Tudo isto estava no programma, tudo sido posto a nú destas columnas. Era só uma questão de tempo.


Assim sendo, o quadro em 1925 ainda era de polêmica e de luta política por posições nos bastidores do futebol carioca. A reunificação do campeonato não se deu apenas por conta que os vascaínos desbancaram nas bilheterias as torcidas dos outros clubes grandes. Dessa maneira, gerando mais renda para a liga que o Vasco pertencia. Não só por isso. O fato é que o Vasco teve que usar sua força para preservar seus princípios e manter intacta cada palavra escrita na Resposta Histórica. Por conseguinte, a liderança da AMEA diante da encruzilhada, tendo a pressão para arrecadar mais em seu campeonato (o que aconteceu como se pode observar no quadro acima), resolveu acatar as exigências do Vasco. De tal modo, a revolução do Vasco superava mais uma etapa. Essa passagem é descrita por José da Silva Rocha com requinte de detalhamento em sua série "Um cinquentenário desportivo" no jornal A Noite (6 de setembro de 1948):

Afonso de Castro, do Fluminense, teve a oportunidade de manifestar seu ponto de vista pessoal a um vascaíno amigo: – há evidente interesse recíproco na presença do Vasco, entre os clubs da Amea. E acentuou: "nesse ponto quero crer que as duas partes, Vasco e Amea, encontrarão uma fórmula digna para se unirem".

Quem encontrou essa fórmula foi Oscar Costa, diretor do "Jornal do Comércio" e presidente da C. B. D. Após negociações e entendimentos entre alguns influentes, concordou o Sr. Arnaldo Guinle em encontra-se na sala do diretor do "Jornal do Comércio com os diretores do Vasco, para conhecer do ánimo de seus dirigentes e oferecer as condições de filiação. Antes, o presidente da C. B. D., havia enviado uma carta ao vascaíno que falara como Castrinho, concitando-o a movimentar o assunto, pois entendia prestar grande serviço nos desportos nacionais, promovendo tais entendimentos. Da reunião, a que compareceram o comendador Almeida Pinho, Jordão Cansado Conde, Manoel Joaquim Pereira Ramos, por narte do Vasco, e o Sr. Arnaldo Guinle pela Amea. Oscar Costa neutro, resultou o mais perfeito entendimento, ficando assegurados, em forma elevada todos os direitos ao club. Nesse mesmo dia os dirigentes vascaínos afirmaram ao Sr Guinle, no tocante à eficiência, que por a aqueles dias o novo filiado de Amea assinaria a escritura de compra de uma grande área de terreno.

A reunificação do campeonato carioca de futebol sob a bandeira da AMEA é oficializada com o Vasco da Gama tendo participação decisiva no novo regime da associação. Ou seja, é absolutamente equivocada a narrativa que o Vasco foi simplesmente "aceito" (como mais um coadjuvante) em 1925 por uma questão pragmática de público e renda. O elemento pragmático foi um dos argumentos de parte de uma luta de fundo que para o Vasco também se baseava no conteúdo dos estatutos excludentes da entidade. O que deixava em xeque o modelo vencedor proto-profissional executado talentosamente por jogadores negros e operários. Por isso, quando se dá o acordo "com todos os direitos preservados pelo clube", significa que o Vasco mais uma vez venceu os clubes que representavam posições reacionárias. Em contrapartida, para não deixar barato, os "ameitas aristocráticos" exigiram que o Vasco apresentasse um campo com instalações dignas e a altura da AMEA. Essa sim foi uma exigência que a vanguarda vascaína assimilou como um desafio a ser batido. De tal forma, a construção de São Januário simbolizou de modo majestoso o desfecho de cada letra dedicada na Resposta Histórica assinada por José Augusto Prestes.

Referências

SILVA, Francisco Carlos Teixeira da; SANTOS, Ricardo Pinto dos. (Orgs.). Memória social dos esportes: futebol e política. A construção de uma identidade nacional. Rio de Janeiro: Mauad, Faperj, 2006.

MALHANO, Clara E. S. M. B.; MALHANO, Hamilton Botelho. Memória social dos esportes: São Januário – arquitetura e história. Rio de Janeiro: Mauad, Faperj, 2002.

SANTOS, João Manuel Casquinha Malaia. Revolução Vascaína: A profissionalização do futebol e a inserção sócio-econômica de negros e portugueses na cidade do Rio de Janeiro (1915-1934). 2010.489 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

FONTES, Leandro Tavares. Vasco: o clube do povo – uma polêmica com o flamenguismo (1923-1958). Livros de Futebol. 2020.

Jornal O Imparcial (1924)

Jornal A Noite (1948)

Jornal dos Sports (1974)

Site: memoriadotorcedor.blogspot.com/

Site: www.memoriavascaina.com

Site: Netvasco.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.

Leandro Fontes

Professor de geografia, colunista da Revista Movimento, do Expresso Cascadura e autor do livro Vasco: o clube do povo – uma polêmica com o flamenguismo (1923-1958).

Como citar

FONTES, Leandro Tavares. 100 anos da unificação da AMEA e o papel do Vasco na garantia de seus direitos. Ludopédio, São Paulo, v. 190, n. 22, 2025.

Fonte: Ludopédio