Com 5 títulos brasileiros, Luxemburgo coleciona histórias desde o início de sua carreira como técnico
Quarta-feira, 13/11/2019 - 19:03
Vanderlei Luxemburgo estreou pelo Vasco em 19 de maio. Chegou falando que a realidade do time, que somara um ponto nos 12 primeiros possíveis, era lutar pela manutenção na Série A do Campeonato Brasileiro.

Mas, sem muito alarde, Vanderlei foi somando pontos. Até trazer o clube ao 11º lugar, com 42. Está a 7 do Internacional, o primeiro que teria vaga na Copa Libertadores, se o campeonato acabasse hoje.

Rubro-negro declarado, o treinador chega ao confronto com o Flamengo de Jorge Jesus, nesta quarta (13), renovado e em um relacionamento sério com o Gigante da Colina. Uma proposta de renovação para seguir no clube já está no seu bolso.

Com cinco troféus do Campeonato Brasileiro, Vanderlei é o técnico mais vencedor em atividade no Brasil. E não conquistou tal nível ao acaso. Montou equipes inesquecíveis, como o Palmeiras de 1996, o Corinthians de 1998 e o Cruzeiro de 2003, só para citar alguns.

Mas ele foi mais que isso. Assim como disse no programa Bem Amigos, do Sportv, Luxemburgo foi, muitas vezes, de fato, um "cara de vanguarda" no mundo do futebol. Investindo em tecnologia, usando táticas motivacionais e até mesmo usando roupas sociais, Vanderlei sempre deixou sua marca.

Veja algumas histórias das vezes em que Vanderlei iniciou tendências:



TERNO E GRAVATA

Vanderlei Luxemburgo foi o primeiro a vestir terno e gravata no Brasil. A inspiração veio de Franz Beckenbauer. Na Copa de 1990, na Itália, o Kaiser ganhou a taça e inaugurou um estilo, ao usar um costume social à beira do gramado.

Vanderlei entendeu que a vestimenta conferia mais respeitabilidade à profissão e decidiu adotá-la. Estava inaugurado o estilo. Mas nem sempre o calor permitia. Por isso, algumas vezes Luxemburgo dispensava a gravata e o paletó.

Foi assim que ele apareceu ao mundo na final do Campeonato Paulista de 1990, quando o seu Bragantino bateu o Novorizontino.

"Desde os tempos de Bragantino, ele já usava traje social", conta Nei Pandolfo, jogador daquele time e auxiliar-técnico do professor em alguns de seus trabalhos posteriores.

Hoje, a gravata, quando muito, aparece à noite. Mais moderno e despojado, o técnico tem apostado na combinação camisa + paletó.



SAIR ANTES DO JOGO ACABAR

Outra marca registrada do professor, que acabou sendo exclusiva dele, foi sair do campo antes do apito final nas decisões.

Com o título garantido, com minutos por jogar, Vanderlei costumava se levantar e se dirigir aos vestiários. "O título é dos jogadores, não sou eu que devo aparecer", explicava ele.

Mas a verdade é que a saída à francesa acabava dando um destaque extra a Vanderlei, que atraía todos os microfones. A saída também era, para a torcida, a senha para intensificar a comemoração.

"Se o Luxa saiu, pode comemorar".

MEIA BRANCA E OUTRAS QUESTÕES ESPIRITUAIS

Vanderlei Luxemburgo sempre foi uma pessoa espiritualizada. Por muitos anos, teve como membro de sua comissão particular o médium Robério de Ogum.

Robério conheceu Vanderlei em 1990, ao prever, em uma rádio de Bragança Paulista, que o pequeno Bragantino desbancaria o Palmeiras, faria a final com o Novorizontino e seria campeão paulista.

Luxemburgo soube da previsão e quis conhecer Robério. Nasceu ali uma amizade que duraria muitos anos. Em 1993, no Palmeiras, por exemplo, foi por orientação do médium que o clube entrou na decisão, contra o Corinthians, usando meias brancas, ao contrário das tradicionais verdes.

"Além disso, eu queria que o time jogasse com uniformes já usados, que eu benzi muitas vezes, antes que eles fossem entregues ao time", contou ao ESPN.com.br o babalorixá.

"Eu queria que os jogadores vissem luz. E a meia clara ia dar esse efeito, ia se destacar do verde do gramado", diz ele.

Até hoje, o Alviverde mantém o hábito de usar meias claras em alguns jogos decisivos - seja quem for o técnico.

"Mas o Vanderlei tinha suas próprias convicções. Foi ele que mandou colocar galinhas d'angola no Corinthians, em 2000, para energizar o Parque São Jorge, por exemplo"



PONTO ELETRÔNICO

Segundo jogo da semifinal do Campeonato Paulista de 2001. As câmeras de televisão filmam Ricardinho de perto e flagram um ponto eletrônico no ouvido do então meia do Corinthians. Motivo mais que suficiente para que as polêmicas estourassem e até para que o Santos pedisse a anulação daquela partida.

Só que essa não era a primeira vez que ele lançava mão do recurso. Na primeira partida, Ricardinho já havia usado o dispositivo - que passou despercebido. Ricardinho, em entrevista à ESPN, em 2016, ainda revelou que o técnico quase cometeu uma gafe e revelou a artimanha.

"No primeiro tempo, lá para uns 30 minutos, ele virou para mim e falou: ‘Ricardo, Ricardo'. Com o jogo parado, alguém sendo atendido. ‘Ricardo, Ricardo, você tá me escutando?'. Depois chegou no intervalo e ele falou assim: ‘Pô, eu te chamei, te falei um monte de coisa, você tava me escutando?'. Eu falei assim: ‘Vanderlei, lógico que eu to te escutando, mas eu não posso responder né? Mas eu estou escutando!'", relembrou o meia.

"Aí chegou no segundo tempo e ele falou assim: ‘Ricardo, se você estivar me escutando, mexe na meia'. Pra ter certeza, né? As vezes tem muito barulho", completou.



12 EM CAMPO

Vanderlei Luxemburgo foi o grande personagem do clássico entre Corinthians e Santos pela primeira fase do Paulistão de 2006.

Luxemburgo mandou seus atletas para o campo sem divulgar a lista de titulares. Para complicar a cabeça do técnico corintiano Antônio Lopes mais um pouquinho, ele ainda mandou 12 jogadores entrarem no gramado, como se o Peixe fosse jogar com um a mais.

Até minutos antes do apito inicial, não se sabia quem de fato começaria o jogo. O zagueiro Domingos e o atacante Geilson circulavam a mesa do representante da Federação Paulista, ambos fingindo que assinariam a súmula.

Na hora "H", Geilson se sentou e o Santos foi com três zagueiros para a partida. Desesperado, Lopes entrou no gramado para dar instruções ao seu time.

O Santos venceu a partida por 1 a 0... com gol de Geilson, que entrou em campo "de verdade" aos 15 do 1º tempo, no lugar do lesionado Reinaldo.



PRELEÇÕES EMOCIONAIS

"Os jogadores da minha geração consideram o Luxemburgo o melhor técnico, tanto como treinador, como na parte da motivação", afirma Wendell, que foi seu comandado no Palmeiras em 2008 e 2009, em entrevista ao ESPN.com.br.

Foi para esse elenco que Vanderlei deu a famosa preleção com a faixa e as camisa de campeão.

"Ele abriu a roda de oração, colocou as coisas no chão e disse: só pega quem tiver personalidade'", conta o ex-jogador. Lá estavam, a faixas de campeão paulista de 2008 e as camisas comemorativas.

"Aí, todo mundo começou a pegar, e aquilo contagiou o grupo. Fez muita diferença no nosso estado emocional", diz ele.

Com o zagueiro Gladstone, no Cruzeiro, a motivação foi individual.

"Nas últimas noites antes da final, eu não conseguia dormir de jeito nenhum. Nem nos meus melhores sonhos eu esperaria jogar minha primeira partida no profissional exatamente na final da Copa do Brasil (2003)", conta o defensor que tinha apenas 18 anos e dava os primeiros passos na carreira.

"Horas antes do jogo, fomos para sala de preleção depois do almoço. Chegamos na sala e todo mundo tinha um envelope nos bancos. Mas, no meu lugar de sentar, havia dois. Aí o Luxemburgo começou a falar do jogo, do time, um discurso motivacional para todos. Em seguida, mandou todo mundo abrir o envelope e tinha uma faixa de campeão da Copa do Brasil. Eu estava em dúvida e falei: 'Professor, por que eu tenho dois envelopes?'. Ele me olhou e disse: 'Abra o maior primeiro'", revela.

"Eu abri e tinha uma fralda, cara (risos). Isso quebrou o clima de tensão na hora, porque o pessoal começou a rir para caramba", conta Gladstone.

"Daí, ele finalizou a preleção me perguntando: ‘Você vai jogar, agora a escolha está nas suas mãos. Ou você entra lá e sai com essa faixa de campeão ou você sai todo cagado com a fralda. E aí, vai ser campeão ou vai se borrar todo?'", conta o jogador.

"Depois dessa brincadeira, entrei em um clima de paz gigante. Eu saí muito mais leve para o jogo. Isso me ajudou demais a fazer o bom jogo que fiz", afirma. .

Robério de Ogum, mentor espiritual de Luxemburgo por muitos anos, relembra também da palestra que o técnico fez antes da final do Paulista de 1993, entre Palmeiras e Corinthians.

"Aquela cena do Viola imitando porco entrou na cabeça dos jogadores", diz o médium. "O Edmundo, por exemplo, transformou aquilo em energia pura para o jogo", afirma.



FORJOU BRIGA

O atacante Deivid viria a ser um dos pupilos preferidos de Vanderlei Luxemburgo. Tanto que tornou-se seu auxiliar quando se aposentou. Luxa sabia como mexer com o jogador. Por isso, forjou uma briga com o atleta.

"Depois do jogo contra o Cruzeiro na primeira final da Copa do Brasil no Maracanã, eu combinei com o Luxa que ficaria uns dias no Rio para ver minha mãe e voltaria logo em seguida", conta Deivid.

"Quando chego em Belo Horizonte, meu empresário perguntou o que eu tinha feito porque o Luxemburgo estava puto comigo. Chegando na Toca da Raposa (CT do Cruzeiro), o Vanderlei me xingou e fez um reunião no meio do vestiário e me detonou: 'O dia que tu pensar que joga mais do que joga, eu vou te mandar para a casa do c*", conta o ex-atacante.

"Ele saiu e eu não entendi nada. Fiquei de sexta até quarta-feira sem nos falarmos. Ele pegava meu colete no treinos e jogava no chão (risos)".

O Cruzeiro foi campeão.

"Eu joguei pra caramba e fiz gol de cabeça. Fomos comemorar o título e eu ainda sem falar com o Vanderlei. Ele estava sentado em uma mesa com a esposa dele e me chamou. ‘Meu garoto, mexi contigo'. E deu risada.

Foi só então que Deivid entendeu o que havia acontecido.

"Você não sabe como eu tô puto contigo (risos)", disse Deivid ao treinador. "Ele identificou que se mexesse comigo eu ia querer mostrar ao contrário".



COMENTARISTA DO PRÓPRIO TIME

Em 2008, o Palmeiras mirava a conquista do Campeonato Brasileiro. E, nesse contexto, a Copa Sul-Americana, que o time disputava, era mais um empecilho do que uma oportunidade de conquista - mesmo nas quartas-de-final.

O Palmeiras iria enfrentar o Argentino Juniors em Buenos Aires. Então, Vanderlei decidiu ousar e mandou 14 atletas para o duelo de mata-mata na capital argentina. Foram apenas dois titulares: o atacante Kléber, suspenso no Nacional, e o volante Martinez, que voltava de contusão.

Para completar, ele decidiu que não viajaria com o time para a Argentina, deixando o comando para o auxiliar Nei Pandolfo.

"Estou fazendo o que o Nei costuma fazer comigo. Ele está trabalhando, e eu passo as informações daqui, mas ele pode fazer outra coisa lá", revelou o treinador palmeirense, que se comunicava com seu assistente por meio de um rádio transmissor e foi nada menos que comentarista da partida na TV Globo.

O Palmeiras perdeu por 2 a 0 e foi eliminado.

MANAGER SEM SER

Luxemburgo sempre quis mais do que ser técnico. Sua ideia era ser um manager, um profissional responsável pelo time em campo, mas também com carta branca para dispensas, contratações e planejamento.

No Palmeiras de 2009, ele tentou cumprir a função, mesmo sem ter o cargo. A experiência durou menos que 12 horas.

Vanderlei comandava um time cheio de jovens jogadores. No começo do ano, a estrela da companhia era Keirrison, que tinha vindo do Coritiba e havia conseguido uma média de gols excepcional.

Mas o jogador foi caindo de produção ao longo da temporada.

"Na verdade, ele era muito mal orientado pelos seus empresários", diz Luiz Gonzaga Belluzzo, então presidente do clube. "Ele já chegou ao Palmeiras dizendo que seu sonho era jogar pelo Barcelona", revela.

Keirisson e seu estafe negociavam com o clube catalão desde antes de ele chegar ao Palmeiras, todos vieram a saber depois. E, à medida que a negociação foi se afunilando, o jogador claramente perdia a concentração.

Quando soube que o Barça havia feito uma proposta oficial ao jogador, que não havia sido comunicada a ele, Luxa enlouqueceu. Por meio de seu perfil no Twitter, ele disse que, se a negociação desse errado, Keirrison não jogaria mais pelo Palmeiras, enquanto ele fosse treinador.

"Eu estava na estrada, voltando de Campinas, aonde tinha ido dar aula", conta Belluzzo. "Quando soube daquilo, liguei para o Gilberto Cippullo (diretor de futebol) na hora. Ele havia quebrado hierarquia, aquilo era demais", afirma o dirigente. Belluzzo pediu a cabeça do técnico.

Luxemburgo foi demitido no mesmo dia. E Keirrrison foi para o Barcelona e passou por uma série de empréstimos, sem jamais conseguir entra em campo pelo clube.



CAMISAS AO CONTRÁRIO

Dirigindo o Corinthians, em 2001, Vanderlei pregou uma peça no técnico Cabralzinho, do Santos.

"Nós fomos treinar antes de um Corinthians e Santos pelo Brasileiro. Ele marcou o treino 8h para a gente e treinou com três atacantes: eu, Luizão e Gil", conta também o ex-atacante Deivid.

Mas, para a imprensa, Vanderlei pediu para a assessoria de imprensa informar que o treino seria às 10h.

"Só que nesse treino das 10h, ele tirou um atacante: ele me tirou só com Gil e Luizão. O Cabralzinho achou que iríamos atuar no 3-5-2, mas nós íamos de 4-3-3", conta o ex-jogador.

Depois, no dia do jogo, Luxemburgo foi além.

"Ele pediu para nós aquecermos na Vila Belmiro com as camisas viradas ao contrário, para o Cabralzinho não saber nossos números. Nós entramos, e o Cabralzinho não entendeu nada. Em 15 minutos, já estava 3 a 0 para a gente", diverte-se Deivid.



Fonte: ESPN.com.br